Os componentes eletrônicos são os blocos básicos de construção dos equipamentos eletrônicos, e seu desempenho e confiabilidade afetam diretamente o funcionamento do circuito em que estão inseridos. Portanto, neste post, veremos detalhes importantes (e as vezes ignorados) na escolha de um componente eletrônico em termos de desempenho e confiabilidade.

Contexto

Se você já projetou alguns circuitos, sabe que utilizar um determinado componente eletrônico, como um capacitor, não se trata só de pegar qualquer um que possui o valor de capacitância desejado. Essa escolha pode ir muito além, pois existem detalhes que, se forem ignorados, vão fazer seu projeto falhar em algum aspecto.

Mesmo se você já tem muita experiência com design de circuitos, é possível que um detalhezinho ou outro passe despercebido. Por conta disso, neste post, discutirei um pouco sobre esse assunto. Os primeiros tópicos serão sobre parâmetros relacionados ao desempenho do componente e os tópicos finais (armazenamento e local de compra) serão sobre a confiabilidade.

Os tópicos sobre “desempenho” também podem se enquadrar em “confiabilidade” e vice-versa a depender de como você analisar o assunto. Mas a lógica da separação aqui é que a confiabilidade diz respeito ao estado do componente, uma vez que seus parâmetros foram corretamente selecionados na fase de projeto.

Para todos os casos, é sempre importante consultar a folha de dados (datasheet) da peça que você quer utilizar, pois é nela que estarão as características específicas.

Escolha de componentes - Desempenho

Tensão

Acredito que, para muitos, os limites de tensão de um componente são parâmetros raramente esquecidos. Normalmente, nos preocupamos em olhar a tensão mínima e máxima suportada, mas podem existir alguns pontos adicionais.
No caso dos MOSFETs, vai existir um limiar mínimo de acionamento do gate (tensão VGS). E, ao projetar um circuito que aciona o GATE com baixa tensão (por meio de um pino de microcontrolador), é preciso observar se essa baixa tensão é suficiente para acionar o MOSFET com a corrente desejada.
Por exemplo, no datasheet do MOSFET 2N7002, você encontra uma informação falando que o limiar do VGS pode variar entre 1 e 2,5 V. Nesse sentido, acionar ele por meio de um pino de um microcontrolador de 3,3V não será um problema, certo? Errado, pois logo abaixo dessa informação, fala que isso é válido para uma corrente de dreno (corrente da carga) de 250 μA, que não é suficiente para acionar quase nada. Para este modelo, a corrente de dreno só será significativa (acima de dezenas de miliamperes) se VGS for maior que 5 V.
Ou seja, na hora de ler o datasheet de um componente, cuidado para não cair em armadilhas e, dê preferência, foque sua atenção nos gráficos (se houverem), pois eles são melhores para entender o comportamento do componente quando comparado à simplesmente ler um valor de uma tabela.

Tipo (foco no DC bias do capacitor)

O “tipo” aqui se refere ao aspecto construtivo do componente. Por exemplo, um capacitor tem vários tipos: eletrolítico, cerâmico, tântalo, filme etc. E, dependendo do componente, cada tipo vai oferecer vantagens e desvantagens, sendo algumas bem significativas e que devem ser levadas em conta.

Para enfatizar a importância disso, vou citar o caso dos capacitores cerâmicos de multicamadas. Devido à sua composição (não vou entrar em detalhes), a capacitância varia de acordo com o valor da tensão contínua aplicada nele. No caso, quanto mais próxima a tensão DC aplicada estiver da tensão máxima suportada pelo capacitor, menor será a capacitância. Por exemplo, um capacitor desse tipo, que possui uma tensão limite de 6V, pode ter sua capacitância reduzida em até mais de 50% quando ligado em um circuito de 5 V.

Ou seja, você projeta o seu circuito para ter uma capacitância de 10 μF, mas escolhe um com uma tensão máxima baixa e acaba tendo uma capacitância efetiva menor do que 5 μF, resultando em um desempenho ruim do circuito. Portanto, o tipo do capacitor escolhido teve um impacto significativo no circuito.

Esse assunto é amplo e quem tiver interesse em saber mais, é só pesquisar por “DC bias” do capacitor.

Corrente e Potência

Outros 2 parâmetros importantes que estão correlacionados são a corrente e a potência máxima. Normalmente, eles são importantes quando precisamos projetar um circuito para controlar uma carga que consome correntes acima de centenas de miliamperes, como um motor. Inclusive, é muito comum ver iniciantes na eletrônica querendo controlar motores usando o pino de um Arduino de forma direta.

Mesmo quando utilizamos um transistor ou um CI ponte H entre o motor e o microcontrolador, é importante verificar se ele suporta a corrente esperada. Se isso não for verdade, pode ser que o componente solte a fumacinha mágica de dentro dele (queime).

E, neste caso, mesmo se o componente suporta a corrente desejada, pode ser que ele não seja capaz  de dissipar a potência que passa por ele. Assim, é necessário escolher um que suporta maiores potências ou utilizar um dissipador de calor.

Ainda sobre potência, as vezes esquecemos de considerar ela para casos simples, como o de um resistor. Então, após definir o valor do resistor, faça o cálculo da potência dissipada e escolha um encapsulamento com potência máxima superior à calculada.

Data de lançamento de um CI

Quando desenvolvemos um projeto para hobby, não nos preocupamos tanto com a escolha dos componentes e as vezes escolhemos alguns por conveniência (escolher aquele que temos em estoque ou que é encontrado em módulos). Entretanto, pode ser o caso de um deles não ser mais fabricado ou recomendado para designs novos.
Quando isso ocorre, corremos o risco de não conseguir comprar o CI desejado por falta de estoque ou acabar comprando peças falsificadas. Eu mesmo já cometi esse erro e perdi muito tempo e dinheiro quando comprei várias unidades do acelerômetro MPU6050 (que está obsoleto) no Aliexpress. Essa situação até gerou um post aqui no site ensinando a identificar CIs falsificados.
Entretanto, se você realmente precisar de comprar um CI obsoleto, é importante recorrer a distribuidoras confiáveis que vendem esse tipo de componente.

Temperatura

A temperatura é especialmente importante para cenários em que um dispositivo eletrônico ficará exposto ao tempo. Mesmo que o circuito, com os componentes, esteja dentro de uma caixa, ele sofrerá com as altas e baixas temperaturas. 
De modo geral, aqui no Brasil, o mais preocupante seriam as altas temperaturas, de forma que, no verão, o painel de um veículo estacionado ao sol, pode chegar a temperaturas acima de 70 ºC. Então, um circuito a ser instalado neste local precisa ser bem pensado em termos de temperaturas. Isso é mais significativo quando pensamos nos componentes sensíveis, como os cristais osciladores e displays de cristal líquido (LCD).
Para os casos extremos, onde a temperatura do ambiente de operação é próxima do limiar máximo do componente, é importante considerar a utilização de dissipação ativa (instalar um ventilador no circuito).

Escolha de componentes - Confiabilidade​

Condições de armazenamento

Uma preocupação válida que muitas vezes é ignorada (pelos hobbistas) é a condição de armazenamento da peça eletrônica. Normalmente quem vai se preocupar com isso é o revendedor ou distribuidor de componentes. Mas, se você mantém um estoque parado por um tempo, é importante ter em mente os seguintes requisitos:

  • Temperatura: Condições extremas de temperatura podem causar expansão ou contração dos materiais, o que pode afetar o desempenho e a confiabilidade do componente. Geralmente, a faixa de temperatura de armazenamento recomendada para componentes eletrônicos é de -40°C a 85°C. Confira o datasheet de cada peça para ter certeza;
  • Umidade: Um ambiente de alta umidade pode levar à corrosão de metais, umidade na camada condutiva e degradação de materiais isolantes, afetando as propriedades elétricas e isolantes dos componentes. Normalmente, para armazenamento, a faixa de umidade relativa recomendada é de 30 a 70%.
  • Antiestático: Descargas eletrostáticas podem danificar os componentes eletrônicos. Portanto, medidas antiestáticas devem ser tomadas no ambiente de armazenamento, como o uso de embalagem antiestática ou aterramento.

Influência do ambiente de armazenamento

Em geral, as peças eletrônicas têm requisitos relativamente elevados em relação ao ambiente de armazenamento. Mas, se eles não forem respeitados, os seguintes problemas podem ocorrer:

  • Perda de função ou desempenho degradado: inutilização total ou parcial devido a temperaturas ou umidade acima ou abaixo do limite. Isto é, o componente pode funcionar apresentando ruído, distorção, eficiência reduzida ou até mesmo nem chegar a funcionar;
  • Redução da confiabilidade: mudanças de temperatura e umidade podem causar envelhecimento, afrouxamento ou corrosão dos materiais dentro do componente, reduzindo sua vida útil. Na prática, isso pode fazer com que os componentes falhem após um período de operação, exigindo reparos ou substituições mais frequentes;
  • Perda ou vazamento de dados: um ambiente de armazenamento inadequado pode levar à perda ou vazamento de dados em dispositivos de armazenamento de dados. Por exemplo, altas temperaturas podem causar alterações na magnetização dos bits de dados no meio de uma gravação, tornando os dados corrompidos ou ilegíveis. Além disso, alta umidade pode causar corrosão do meio de armazenamento, resultando em perda de dados;
  • Questões de rastreabilidade: os componentes eletrônicos precisam ser devidamente identificados e registrados durante o armazenamento para garantir sua rastreabilidade e controle de qualidade. Um ambiente de armazenamento inadequado pode levar a identificação e registros borrados ou danificados, tornando incerto a origem, estado e confiabilidade dos componentes, dificultando o controle de qualidade e a solução de problemas.

Onde comprar?

Diante do que comentei, é evidente que as condições de armazenamento de componentes eletrônicos são importantes. E, como ninguém quer gastar dinheiro comprando componentes problemáticos, precisamos de um jeito de saber se os componentes que compramos são mantidos em um ambiente adequado.

Escolher um fornecedor com a qualificação ANSI/ESD-S20.20 pode garantir a qualidade dos componentes. Obs: A ESD-S20.20 é uma certificação da Associação de Descarga Eletrostática dos Estados Unidos que define algumas regras a serem cumpridas relativas à proteção contra descarga eletroestática.